sexta-feira, 4 de junho de 2010

De cachos dourados e dedos dançantes

 

- E aqui estou eu, nesse belo hotel em Santa Tereza para o casamento do William e da Tina. 

- Que bom, não é mesmo?

- Santa Tereza! O que eu estou fazendo aqui raios!? Quantos habitantes tem esse fim de mundo? Uns 200?  E desses 200, devem ter no mínimo 199 nesse casamento.  No mínimo 199! Porque eu tenho certeza que o William não ia convidar aquele cara ali. Há! Certeza.

- Qual cara?

Eu estava encostado na janela, olhando para a incrível paisagem do lado de fora. Era praticamente Paris nos anos 20. Uns três mendigos brigando por um jornal, uma pessoa tendo problemas carregando um saco de pão e a pessoa em questão. O tal cara que o William não convidaria. Bom, pelo menos eu duvido muito, mas nada me surpreende nesse buraco de vespas. É quase um maldito Kinder Ovo, só que sem o brinquedo. Ou o chocolate na verdade. E como se você comprasse um Kinder Ovo, mas sabendo que não ia receber absolutamente nada. Exatamente assim.

- Esse cara ai na rua! O cara tem um bigode colorido! Um bigode! Porque essa gente do interior acha que pode criar a sua própria moda? Putz, isso acaba comigo. Qual é a cor daquilo? Roxo?

Ela caminhou até a janela. Calmamente, claro. Caminhava de uma forma própria, era como se deslizasse pela vida, esperando o momento certo de destruir todas as minhas crenças. Acabar com tudo que eu acredito.  E putz, claro que agora ia fazer isso novamente, óbvio. Ela não sabe fazer outra coisa. Só acabar comigo, poxa. Só isso.

- É, acho que é roxo sim. O que o William tem contra isso?

- Ha há ha! O que ele tem contra isso? Olha amorzinho, ele não suporta essas coisas! Simplesmente não suporta, poxa.  Bigode roxo? O que uma pessoa como essa, espera da humanidade? O William ia ter o prazer de convidar o cara, só pra desconvidar ele depois! Ah! Tenho certeza, certeza! Na verdade, até agora não consegui entender porque ele aceitou vir pra essa cidadezinha se casar, não faz sentido droga!

Ela voltou a sentar no sofá, não gostava de janelas tanto quanto eu. Eu poderia passar a droga da vida inteira olhando pela janela. Bom, talvez não seja verdade. Mas ela não gostava nada de janelas, nada. Ela morria de medo de altura, de verdade. Já ficava um pouco tonta só de olhar para a droga da janela!

- Na verdade, acho que foi ideia dele até.

- Ideia dele? Putz! Não acredito. É aquela Tina lá, essa chata acabou com toda a alegria do safado! Mais ou menos o que você fez comigo.

Ela não pôde deixar de dar uma risadinha, claro. Ah, ela sabe das coisas, realmente sabe. Droga, sempre a mesma coisa.

Lembra do William antes de conhecer essa Tina?  Você lembra dele? Putz, o cara era maluco! Era o filho da puta mais insano que eu já tive o desprazer de conhecer! Ele não se importava com merda nenhuma! Agora ele tem até uma maldita carteira de motorista! O próprio William que só fez um documento de identidade com 24 anos cara! Ele deve ter até uma droga de uma poupança agora! Há há! Poupança, rapaz. Na verdade ele deve até estar usando meias, agora. Você lembra do discurso sobre meias dele? Lembra sim! Eram horas e horas falando sobre malditas meias. Era algo como, que as meias eram só metáforas para as algemas do governo nos segurando pelos pés. Pelos calcanhares! Que como Aquiles era o ponto fraco do coração da sociedade! Sei lá! Ele era maluco, aquele filho da puta.

Ela estava me olhando como se eu estivesse discorrendo sobre o assunto mais desinteressante da terra! De verdade! Putz, era como se eu tivesse falando sobre métodos reprodutivos das  briófitas ou alguma merda dessas! Deus, tá ai alguém que consegue me irritar. E ela adorava o velho Will! Tenho certeza, droga, certeza. E continuou me olhando. Mas estava pensando em estampas, ou algumas dessas coisas que ela gosta, sei lá. Eu tenho cara de uma maldita estampa?

- Na verdade, acho que tem uns 1600.

- 1600 o que? Minutos que eu tenho que aguentar essa maldita cerimônia ainda? Por favor, não! Diga que não! Que saia uma droga de uma boa notícia dessa boca, amorzinho. Só uma vez, vai.

Ela então pegou um de seus cachinhos, claro. Ela sempre faz isso pra me irritar. Agarra um daqueles belos cachinhos dourados (E poxa, rapaz, que cabelo bonito que ela tem. Ela sabe o quanto aquele cabelo mexe comigo) e fica ali perdida no seu próprio mundo com cachinhos. Como se eu fosse qualquer idiota. Ignorava-me como se eu fosse um mendigo pedindo pinga. Não, não. Muito mais triste do que isso. Poxa, muito mais. Me “olhava” com pena, pena mesmo. Era mais um mendigo pedindo sopa. Ou quem sabe simplesmente carinho. Carinho, droga.

- Eu acho... É, tenho quase certeza. Que essa cidade tem 1600 habitantes. Um pouco mais de 200.

- Tá, tá, tanto faz poxa. É aquele tipo de cidade que metade é de uma família e metade é da outra. Isso era o que eu queria dizer, isso. Toda essa cidade é só uma grande desculpa para incesto descontrolado!  Sabe o que vai acontecer se a gente ficar muito mais tempo aqui?

- O quê?  Vamos entrar em alguma dessas famílias por acaso?

De repente, hesitei por um segundo. Na verdade simplesmente vi que o meu argumento não fazia o menor sentido. Acontece. Às vezes isso acontece, droga.

- É... Claro! Exatamente isso. Vamos ser sugados por essa droga dessa subcultura suburbana. Com homens de bigodes roxos e bicicletas grandes demais para as pessoas. Toda essa droga e muito mais! Muito nos espera! Uma vez nesse buraco, ele vai te sugando, te puxando pra dentro. Vamos sair dessa cidade fazendo bolos pra quermesse! Na melhor das hipóteses, que fique claro.

Agora ela pegou um cigarro, Deus, como odeio o jeito que ela pega esses cigarros. É como se fosse uma droga de uma apresentação circense. Ela acha que pegar a merda do cigarro é o epítome do burlesco. Tem toda a sua graça, aquele seu riso de canto (sarcástico claro, eu convivo com a pessoa mais irritantemente sarcástica da face da terra, muita sorte nessa, puxa) os dedos em uma verdadeira dança! Dedos dançantes! Rapaz, tudo isso só pra agarrar um daqueles malditos cigarros de cereja dela. Odeio cerejas. Ela botou o cigarro na boca e olhou agora, diretamente nos meus olhos, diretamente.

- Pensando em todo o “epítome burlesco” de novo?

Tragou o maldito cigarro com prazer, sincero prazer.  Podia sentir os orgasmos sabor cereja emanando dela, até o gosto.

- Não, não! Burlesco? Eu nem sei o que é isso! Eu estava pensando em como essa linda cidade é bem organizada! Uau! Eu nunca tinha visto lixeiras viradas de boca pra baixo na rua! Deve ser a última tecnologia, ouvi que estão usando em Paris e em Helsinki. Tenho que relatar o uso de recursos tão sofisticados imediatamente às grandes capitais brasileiras! Mas imediatamente!

Nossa essa mulher realmente me conhece. Putz, chega a ser assustador. De verdade, às vezes acho que ela lê a minha mente ou algo do tipo.

- Eu acho que você nem sabe o que significa “suburbano”.

Realmente não sabia. É, não sabia, mas ainda acho que aquela cidade é bastante.

- E o que isso importa? Hein? De verdade, como isso vai fazer alguma diferença nessa sua vida de princesa? Hein, amorzinho? Que o suburbano vá à merda! Eu gostaria de saber na verdade, saber mesmo, juro. A coisa que eu mais queria saber no universo. Jogaria até uma droga de uma moedinha na fonte pedindo isso! O que raios estamos fazendo aqui nessa cidade que não tem nem ao menos uma bandeira! Sabia disso? Não tem! Eu vi na Wikipédia, droga.

Saí da janela. Não preciso sempre fazer questão de me deprimir ainda mais com esses lugares horríveis sabe? Realmente não preciso. Eu não sei quando parar, juro, eu não consigo. Sentei com muito desgosto em um tipo de poltrona terrivelmente desconfortável. E que estampa horrível, Deus. Essa cidade é um maldito paraíso Kitsch. 

- Como assim o que nós estamos fazendo nessa cidade? Viemos para o casamento do William e...

-... Do William e da Tina, tá, tá, eu sei droga. Viemos para essa verdadeira festa do Olimpo, o bacanal de Santa Tereza. União da droga do amor perante os olhos de Deus, Ok. Mas porque eles tiveram que fazer a cerimônia aqui?

- Ora, a Tina é daqui. Por causa da família dela. E fique sabendo, que a Wikipédia não tem tudo. Eu já vi a bandeira daqui, lá na prefeitura. É até bonita.

Ela levantou, mas ela levantando era uma ocasião especial. Pra mim pelo menos, mas gosto de pensar que para o mundo todo também. Ela tinha um jeito muito especial de levantar, era como se todos os malditos Deuses parassem de fazer o que raios ele fazem, só pra apreciar essa tão cotidiana cena. E rapaz, eu apreciava. Todos os dias. Tudo valia a pena, se eu pudesse vê-la levantando pelo menos. Deus, pelo menos isso. Ela se levanta com um giro! Juro, um giro. Parece um peão ou uma bailarina. Só que ela não tem graça o suficiente para ser uma bailarina. É mais como um peão bonitinho, falo sério. Não tem uma melhor maneira de descrever. Ela, sempre de saias, mostrando suas belas pernas. Bonitas de verdade, ela sabia como provar que essas coisas que nós usamos pra caminhar e sei lá, chutar, eram muito mais do que isso. Eram verdadeiras obras de arte droga. Obras de arte. Ela caminhou (por incrível que pareça, mesmo) até a janela e virou bruscamente para mim. Seus olhos como mísseis muito discretos. Putz, que péssima metáfora.

- Não vai dizer que a Wikipédia é equivalente à um Jesus Cristo do século 21 ou uma coisa dessas?

A dança acabou. As bailarinas morreram. Ela jogara o seu já bastante gasto cigarro pela janela. As cortinas se fecharam e tudo mais. Que cena, Deus, que cena. Eu realmente gostaria de dizer tudo que eu pensava sobre a Wikipédia e Jesus (fazia isso constantemente, mesmo), mas já não conseguia. Estava completamente mesmerizado pela sua dança, completamente. De repente estava em um belo hotel em Santa Tereza para o casamento do William e da Tina. Droga, sempre a mesma coisa. Sempre os malditos cachos dourados e dedos dançantes.

- Não, droga. Não vou falar nada.

 

 

 

2 comentários:

  1. Ta claramente inspirado em "Apanhador do Campo de Centeio". E para mim foi muito intimista. Ou seja não entendi a mensagem profunda do conto, e "contos" para mim tem que ter mensagens bacanas se não, passam a ser apenas um bando de palavras amontoadas.

    Eu também não sou cara dos contos, gosto de romances, essa cena em um romance provavelmente ficaria muito legal.

    Não é um critica, você me conhece meu amigo.

    ResponderExcluir